Page 53 - Revista LER&Cia Edição 87
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concurso de
contos LER&CIA
> Em 2018, o Grupo Livrarias Curitiba realizou mais uma vosa. “Imagina se eu tivesse que pa-
edição do tradicional Concurso de Contos. Ao todo, foram gar todas as vezes que alguém gira a
mais de mil inscritos de todo o país, dos quais foram catraca sem querer. Não me sobra-
selecionados seis vencedores, entre eles: A melancia, de ria salário no final do mês”, explicou
Isabel C. L. Brambilla, de Foz do Iguaçu, no Paraná. sem muita paciência. O ônibus pa-
rou repentinamente, a melancia vol-
tou rolando e parou na catraca. Mais
A MELANCIA risos. O motorista virou-se e disse
ironicamente “se a senhora não tem
dinheiro eu pago sua passagem, mas
senta logo antes que caia também,
vozinha” ao que ela respondeu bu-
fando de raiva “vozinha é a senhora
ILUSTRAÇÃO: FELIPE LIMA sua mãe, seu abusado!, pode deixar
que eu pago a minha passagem e da
minha melancia também!”, ao mes-
mo tempo que procurava o dinhei-
ro na bolsa. Passou a roleta e pegou
a melancia do chão, como se segu-
rasse um bebê. Analisou os bancos
vazios. Parou ao lado da moça e pe-
diu: “Você pode sentar no banco de
trás minha filha?”. A moça detestava
sentar no banco do corredor porque
quando o ônibus enchia as pessoas
ficavam esbarrando nela, mas gos-
tava menos ainda de confusão. Deu
um sorriso sem graça e trocou de as-
sento. A senhora colocou a melancia
em um banco e sentou-se no outro,
A moça chegou ao ponto de ônibus e cobrador por “não tirarem a bun- uma mão segurando a fruta. Todos
ofegante. O calor estava insuportá- da do banco para ajudar os passagei- que entravam olhavam curiosos para
vel. Pegou o lenço de papel e secou ros”. Depois de todos embarcados a estranha passageira “sentada” ao
delicadamente o rosto. Aproveitou a o motorista acelerou bruscamen- lado da senhora. Coube a um exaus-
tela do aparelho para conferir o vi- te, de próposito. Para não cair a se- to e desavisado professor, carregado
sual. Ainda bem que o rímel envia- nhora soltou a melancia que, como de livros e cadernos, a infeliz ideia
do pela amiga que morava na Suíça se tivesse vida própria, girou a roleta de pedir “Será que a senhora poderia
era de marca boa e não escorria fácil. e foi parar, intacta, no meio do cor- pegar sua melancia no colo para eu
“Suíça, frio, neve, roupas chiques, redor, arrancando gargalhadas de me sentar?”. A mulher sorriu e res-
botas de cano alto”. Desde menina todos. A mulher tentou ir ao resga- pondeu “Desculpa moço, mas não
que sonhava em conhecer a Euro- te gritando “minha melancia!”, mas posso não”. Surpreso com a respos-
pa. O barulho do velho ônibus na es- o cobrador travou a catraca. “Des- ta ele sugeriu “Eu posso carregá-la
trada esburacada trouxe ela de volta culpa dona, mas se a senhora girar para a senhora”. Olhando em volta
à realidade. A porta abriu com um a roleta de novo, vai ter que pagar com o dedo em riste ela disse bem
solavanco. O idoso a sua frente de- duas passagens”, disse ele. “Mas por alto “olha moço, minha melancia
morou para entrar carregando uma quê?”, perguntou a mulher, incré- pagou passagem igual todo mundo
bolsa enorme e pesada. No final da dula. “Porque se não vai dar furo no aqui, então ela tem direito de viajar
fila uma senhora com uma melancia meu caixa”, respondeu ele. “Mas foi sentada. Se não gostou, conversa lá
enorme nos braços xingou motorista um acidente!” gritou a senhora ner- com o cobrador”. l
O conteúdo do conto, seu estilo literário e ortografia são de responsabilidade exclusiva do autor. JULHO E AGOSTO DE 2019 53